sábado, 24 de outubro de 2009

A poetisa e o poeta, num amor para eternidade

Na manhã deste 24 de outubro, fui até o Horto Florestal, perto de onde moro, para caminhar e entre as árvores a luz de um Sol maravilhoso. 

E ali caminhando sozinho, ao som dos passáros e das folhagens, me peguei pensando no AMOR e seus movimentos na minha existência neste planeta.

Entre um pensamento e outro, um lindo poema me veio a cabeça, e é exatamente sobre esse poema que a história abaixo esta ligada.

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Londres, por volta de 1845, na chamada era vitoriana, em Wimpole Street 50, como de costume, o carteiro da região, retirava da sua sacola maltratada pela intempérie, principalmente do frio do Inverno, um volume relativamente grande de correspondências que costumeiramente eram postadas para aquele endereço. 

Mal sabia ele que, mesmo com uma participação pequena, uma das missivas ali contida,  mudaria de forma substancial, a vida de duas pessoas altamente sensíveis, provocando um dos maiores romances vivos nos anais da literatura mundial.


O romance entre Elizabeth Barret e Robert Browning (nas imagens acima).

Consta que Elizabeth teve uma infância relativamente feliz. Brincava muito, principalmente com o mais velho dos seus irmãos. Complementando os estudos regulares, Elizabeth lia muito sobre todos assuntos, e também aprendeu idiomas como grego e francês. Além de escrever tragédias em verso.

Infelizmente, com a idade de quinze anos, motivada por uma tosse violenta e uma grave lesão nas costas, afetou irreversivelmente a espinha dorsal e também sensivelmente os pulmões.

Não bastando isso, perde a mãe depois de quatro anos da sua lesão, e seu pai vende a casa. Comprando outra na Wimpole Street, local em que a já frágil saúde de Elizabeth se debilitou ainda mais, fazendo com que praticamente se isolasse do mundo exterior.

Robert Browning convivia em um casa localizada em Camberwell, cujos pais benevolentes, e a irmã prestimosa, propiciavam-lhe tempo de sobra para se dedicar e escrever poesias. 

Possuidor de vasta cultura, proveniente dos inúmeros livros que lera, e, logicamente, dos ensinamentos de seu pai, um verdadeiro intelectual, Robert desenvolveu total proficiência nas literaturas, espanhola, francesa, grega e italiana. 

Por sua vez, contrastando com Elizabeth, pela sua versatilidade, cultura e boa aparência, Robert extrapolava seus limites domésticos, participando ativamente do mundo elegante e distinto da época. 

Num cargo público, secretariando um diplomata de carreira, viajou duas vezes a Rússia e, também duas vezes a Itália, cujo país, aliás, considerava como a sua segunda pátria.

Numa determinada etapa da sua vida, Robert, partindo da Itália, com regresso à Inglaterra, sentiu-se momentaneamente desorientado, procurando achar uma novo rumo a sua vida, entregando-se totalmente à leitura. 


Foi nesse ambiente de transformação, provavelmente vulnerável, que pela primeira vez leu os Poemas de Elizabeth Barret, editados em dois volumes.

Seduzido de forma irremediável pelos escritos, exatamente ele que se julgava imune aos caprichos do amor, percebeu de forma arrebatadora que sucumbira aos versos daquela autora, enamorando-se perdidamente pelo espírito e inteligência da poetisa.

Consciente do fato, de uma forma arrebatadora, pegou a caneta, e alinhavou uma das mais celebres confissões de um amor virtual que se têm conhecimento:

"Amo os seus livros com todo o meu coração e amo-a também a si...."

Numa manhã de 1845, extremamente fria, posicionada em seu sofá favorito, no segundo andar da casa de Wimpole Street, já acostumada a receber um volume considerável de correspondências, Elizabeth mudou de uma forma abrupta o seu já tradicional comportamento, quando uma carta mais ousada insinuava algo que fugia ao restrito espectro da poesia. 

Num procedimento inusitado, depois de abrir e conferir as correspondências, num gesto delicado, separou uma delas ternamente que parecia ter arrebatado àquele sofrido coração de mulher, cujos dizeres ficaram arraigados para sempre:

"Amo os seus versos com todo o meu coração. Amo estes livros e amo-a a si também. Sabe que uma vez estive quase a conhecê-la pessoalmente? Uma manhã, o senhor Kenion perguntou-me... Gostaria que eu o apresentasse a Miss Barret?... E foi anunciar-me, mas pouco depois voltou dizendo que a senhora não se sentia bem e assim regressei a casa. Será que nunca a conseguirei ver-te?... De qualquer maneira, quero dizer-lhe que era necessário que os seus poemas fossem escritos para que tão grande alegria e tão sincera satisfação despertassem neste seu devoto admirador Robert Browning."

Como no famoso "Alí Babá e Os Quarenta Ladrões", um dos mais populares contos das "As Mil e Uma Noites", um clássico da literatura Persa, a carta de Robert praticamente abriu as portas do coração de Elizabeth Barret.

Embora não conhecendo-o pessoalmente, mas sim a sua obra ainda desconhecida do grande público, Barret foi tomada por um impulso mais forte que ela, e começou a responder:

"De todo o coração lhe agradeço, caro Sr. Browning"...

"Os Invernos cerram-me todo o horizonte tal como cerram os olhos"...

Embora timidamente, numa composição poética em forma de carta, Elizabeth procurou delicadamente responder aos anseios do seu admirador:

"Na Primavera veremos"...

"Sua dedicada amiga, Elizabeth Barrett."

Subseqüentemente, consta que um número de 573 cartas, registraram essa impressionante história de envolvimento amoroso entre duas pessoas. 

As cartas que Elizabeth recebia, agora quase que diariamente, do ainda desconhecido Robert, eram verdadeiros golpes as barreiras que envolviam seu coração.

O poeta Robert interpretou a frase em epígrafe "Na Primavera veremos..." como um convite encorajador. Porém, a seguir, embora com moderação, Elizabeth respondeu-lhe:

"A minha Primavera chega mais tarde"...

Mas numa terça-feira da segunda quinzena de maio, Robert adentra pelo número cinqüenta de Wimpole Street, dirigindo-se ofegante ao local em que Elizabeth se encontrava. Como que para sacramentar esse primeiro encontro, e a poetisa escreveu:

"Desde que chegaste foi como se fosse para sempre."

Amigos comuns atestaram que Robert ficou loucamente enamorado e mais do que depressa, por escrito, confessou-lhe a sua paixão.

Elizabeth, profundamente angustiada, devolveu-lhe a carta (a única que falta na correspondência posteriormente publicada em dois volumes) e, embora em tom de afeto, assinando a correspondência com amizade e gratidão, proibiu ao galante admirador de falar ou comentar tais assuntos.

A troca de informações se processava de maneira muito intensa, estabelecendo-se uma inequívoca compreensão entre os dois poetas. O vínculo de carinho e intimidade que se formava proveniente da troca de correspondência, por mais paradoxal que possa parecer, era até maior do que os contatos pessoais mantidos religiosamente toda semana.

A presença de Robert na casa era como um balsamo para Elizabeth, dando-lhe novas forças para lutar contra a implacável doença que teimava em deixar de manifestar-se em seu corpo. 

Todavia, com a consolidação dos fatos, não demora muito para acontecer o que poucos , por mais otimistas e esperançosos que fossem, acreditavam que pudesse acontecer.

Numa bela manhã de Verão, sentindo-se muito bem disposta, Elizabeth liberta-se do velho sofá e num feito há muito não presenciado por ninguém, passeia leve e solta pelo quarto e, postada junto à janela, respira fundo o ar puro.

"Agora já me sinto viver", exclamou.

Da sua parte, Robert intensifica de forma insofismável os seus impulsos amorosos, escrevendo-lhe de uma maneira bem mais livre, arrojada até, ciente de que a oposição de Elizabeth, temerosa que em virtude da sua pouca saúde, de alguma maneira pudesse atrapalhar a sua própria vida.

Apesar dos esforços do apaixonado Robert, Elizabeth, já com quarenta anos de idade,  relutava e custava libertar-se dos longos e sofridos anos de invalidez que foi vitima, e nem do respeito exagerado que tinha pelo quase tirano pai, Edward Moulton Barrett, a cujo jugo ainda se mantinha.

Mesmo estando irremediavelmente apaixonada, para ela, fragilizada emocionalmente, e ainda apresentando uma debilidade física pela doença implacável, esse quadro representava uma barreira intransponível.

Todavia, estimulada insistentemente por Robert, a poetisa retirava forças sabe lá de onde e de que maneira, para num grande esforço, sair do quarto e descer ao andar inferior, feito raro, principalmente com a chegada do rigoroso Inverno.

Apesar dos progressos incomensuráveis, ainda mantinha o receio de ser um estorvo para o seu amado, e o pior, ser descoberta nas suas relações sentimentais; com certeza, se o pai soubesse disso, com grande probabilidade destruiria todas as correspondências existentes, e o pior, proibiria de forma enérgica que Robert voltasse a freqüentar a casa.

A medida que os dias avançavam, de uma forma arrebatadora, envolvidos ainda em constantes receios, o amor de ambos crescia e consolidava-se ainda mais. Nesse ínterim, com a chegada da Primavera, numa análise mais apurada da situação, ambos tomaram uma decisão: partirem juntos para Itália.

Temerosa ainda, Elizabeth procurou o fortalecimento físico em pequenas caminhadas, passeios em lugares mais arborizados, visitando pessoas amigas, enfim, criando energia e coragem para concretizar o sonho de uma união feliz com o seu amado.

Todavia, os dias pareciam "galopar", dando a sensação que a rotação cíclica e irremediável das estações climáticas conspiravam contra eles; o Verão aproximava-se do final e outro Inverno, com certeza, seria mais uma tortura para a sua pessoa. Conspirando ainda mais com esses temores, o pai de Elizabeth resolveu reformar a casa da Wimpole Street, sendo necessário o remanejamento de todos da família pelo menos por um mês, para longe das imediações.

Em verdadeiro pânico, Elizabeth envia uma mensagem ao seu namorado. Robert, com a sensibilidade do poeta e do apaixonado, interpretando tal missiva como um pedido de "socorro", responde:

"Se partires, o nosso casamento será adiado pelo menos um ano. Já tivemos ocasião de verificar o que ganhamos em esperar até agora. Devemos, pois, casar imediatamente e partir para Itália. Hoje mesmo pedirei a licença e, deste modo, o casamento poderá realizar-se no próximo sábado."

Não vacilando desta vez, numa manhã de sábado, mais precisamente em 12 de setembro de 1846, Elizabeth acompanhada da fiel criada, cujo pretexto foi o de visitar uma amiga, vai ao encontro do seu amado.

Precavendo-se, pois sentia ainda uma grande fraqueza, comprou em uma farmácia um remédio que de alguma maneira evitou que ela simplesmente desmaiasse; não sem muito esforço, Elizabeth conseguiu chegar a Igreja onde Robert, juntamente com um primo, esperava ansiosamente. De forma discreta, finalmente o casamento concretizou-se.

Embora feliz, porém emocionalmente tensa e esgotada fisicamente, a poetisa teve que adiar a fuga que tinham planejado, e por precaução, Elizabeth regressou a casa na companhia da criada, adiando a fuga por mais uns dias.

Exatamente uma semana após o enlace matrimonial, no dia 19 de setembro de 1846, também num sábado, o sinal verde para que fugisse foi dado. Assim, Elizabeth, sua fiel criada, e até o seu cachorro Flux deixaram definitivamente para trás àquela que teria sido uma verdadeira prisão, a casa de Wimpole Street, 50.

No plano de fuga antecipadamente planejado foi previsto, e isso realmente se concretizou, uma escalada intermediária iniciada na estação de Nine Elmes, perto de Vauxhall, por trem, com destino à tão sonhada felicidade.

Como nos finais dos velhos contos, Robert e Elizabeth viveram felizes por muitos anos. Cidades como Florença, Paris, Pisa e Roma, eram rotas obrigatórias, desfrutando das belezas naturais, do clima, dos amigos, e logicamente da poesia que além de outras afinidades, unia os dois.

Elizabeth, radiante e feliz, sentia-se muito bem de saúde, e para coroar a felicidade definitiva daquela união, em 1849, na Primavera, deu à luz um menino.

Na cidade de Florença, numa tarde de junho, acometida de um repentino e inesperado ataque de bronquite, imediatamente assistida pelo seu médico, nos braços de Robert, a poetisa faleceu.

Num relato comovente, escrito pelo poeta tempos depois afirmou:

"Sempre sorrindo e com uma expressão de felicidade no seu rosto de menina, faleceu, em poucos minutos, com a cabeça apoiada na minha face".

Elizabeth Barret Browning legou-nos um testemunho duradouro do seu grande e puro amor. 

Em uma manhã, na Itália, entregou a Robert um caderno de poemas, mais tarde publicados sob o titulo de "Sonnets from the Portuguese" (Sonetos traduzidos do Português). 

Um deles é considerado o mais belo poema de amor escrito por uma mulher, em língua inglesa. Confira abaixo.

"Amo-te"

Amo-te quanto em largo, alto e profundo
Minhalma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.
 
Amo-te em cada dia, hora e segundo: 
À luz do Sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.
 
Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece, 
E a fé da minha infância, ingênua e forte. 

Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quiser,
Ainda mais te amarei depois da morte.

A tradução é de ninguém menos que Manuel Bandeira.  

Fonte: O texto acima foi escrito tendo como base a obra de Donald e Louise Peattie, "Uma História de Amor".

10 comentários:

  1. Aí que lindo! Obrigada por compartilhar. =)

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  2. Palavras têm força - quando revestidas do verdadeiro poder. E o verdadeiro poder é a emoção, a conexão que jorra de alma para alma - de quem escreve / fala para quem lê / escuta. Magia. Cura.

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  3. gostei mas não li tudo, faço questão de voltar depois pra ler =)

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  4. É sempre prazeroso dividir com pessoas queridas, o que de bom vemos e aprendemos neste plano... Fico feliz que tenha gostado, Ligia.

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  5. Oi Quelzinha... Volte sim!... Tenho certeza que vai gostar do que vai ler.

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  6. Meu amigo, vc não tem noção de como isso me comoveu....tá eu chorei litros,o q já é normal aqui no Multiply!rs

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  7. Como eu te entendo, minha amiga!... Lembro que quando ouvi "Amo-te", pela primeira vez fiquei profundamente emocionado... E não me dei paz até descobrir tudo sobre ele... O resultado ao descobrir toda a história por traz dele, foi me emocionar mais ainda... E não há uma só vez que eu leia, e não volte a me emocionar... É simplismente muuuuuito lindo!... =)

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  8. Uma linda e tocante história....obrigada por trazer.
    Adorei o poema Amo-Te....

    beijos!!!

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  9. Fico feliz que tenha gostado, Luci... O poema é realmente lindo!... Bjão, =)

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